sexta-feira, 11 de abril de 2008

Guarda compartilhada: boa para todos


Projeto de lei transforma em regra o compartilhamento da guarda dos filhos em caso de separação dos pais

Por Thaís Bronzo


Separação, no dicionário, significa divisão, desunião, afastamento. Quando o casal resolve se separar, essa ruptura, às vezes, é drástica e sem possibilidade de amizade ou mesmo de convívio. O problema pode ganhar proporções maiores quando existem filhos na história. A separação pode transformá-los em ex-marido e ex-mulher, mas nunca em ex-pai e ex-mãe.

Quando os escritores Stella Florence, de 40 anos, e Eduardo Haak, de 36 anos, optaram pela separação, a felicidade da filha Olívia, de 6 anos, veio em primeiro lugar. “Nós não precisamos entrar na justiça para dividir a guarda da Olívia, fizemos isso naturalmente por continuarmos amigos. Foi uma decisão natural ela passar tanto tempo com o pai quanto com a mãe: ela é filha dos dois, afinal”, esclarece a mãe. “Papai e mamãe são basicamente o que sempre foram para ela. Com a diferença que ela sabe que papai e mamãe não são mais namorados”, lembra o pai.

O juiz de direito Luís Francisco Aguilar Cortez explica que, nos processos que chegam na vara de família, geralmente, os pais já tem um acordo de ajuste de guarda e o sistema de visita. “O juiz tem que arbitrar isso e uma das possibilidades é a guarda compartilhada”, diz.

A advogada especialista em direito de família Sandra Vilela ressalta que, apesar de não ser lei, hoje é possível encontrar juízes que fazem uma interpretação mais extensiva a atual legislação e já enxergam a possibilidade e necessidade de ser concedida uma guarda compartilhada. “Então, mesmo não existindo lei indicando expressamente a possibilidade da guarda compartilhada, ela está sendo utilizada a cada dia por mais casais”.

Pensando no bem-estar de crianças e adolescentes, foi criado na Câmara dos Deputados, o projeto de lei que torna regra a guarda compartilhada. O projeto já foi aprovado no Senado e retornou, em 30 de outubro, à Câmara dos Deputados para análise final.
De acordo com o relator do projeto (PLC nº 58, de 2006, sendo, na origem, nº 6.350, de 2002), senador Demóstenes Torres (DEM-GO) o modelo de guarda adotado hoje restringe a convivência dos filhos com o pai ou a mãe, principalmente com o pai, já que normalmente a justiça fixa que a mãe tenha o filho sob sua guarda e regulamenta direito de visita ao pai. “A regra vigente diz que um dos pais poderá visitar o filho e não conviver com ele. Ora, há enorme diferença entre visitar e conviver. Um filho que se avista com o pai quinzenalmente dificilmente estreitará com ele laços de amizade, respeito e exemplo”, argumenta ele, que também é procurador de justiça. “Então, o objetivo principal do projeto é determinar que o pai e a mãe compartilhem a guarda dos filhos menores. Ficam em igualdade de condições no que diz respeito aos direitos e responsabilidades. Dividirão não só obrigações materiais, mas também aquelas atividades do dia-a-dia, como, por exemplo, levar e buscar o filho na escola”.

“A situação de fato de cada casal a lei não muda. O que talvez mude com a aprovação do projeto é a ênfase em pelo menos tentar esse compartilhamento”, sinaliza Cortez.

Não há impedimentos para a guarda compartilhada. “Ela somente não será aplicada pelo juiz, após o parecer do promotor de justiça, quando um dos pais não se mostrar capaz de dividir o encargo ou a situação apresenta particularidade insanável”, garante Torres.

“Os pais não precisam ser amigos, para dar certo a guarda compartilhada. Eles precisam conseguir ter um mínimo de diálogo, o que é possível de se obter diante de uma mediação, por exemplo”, diz Sandra.

Para o advogado Nelson Sussumu Shikicima, também deverão ser observados alguns requisitos para a aplicação da guarda compartilhada. “Tais como os pais separados residirem próximos, ambos quererem a guarda e embora seja fixado um lar para o filho menor, deverá haver alternância de lares, sem que haja prévia fixação e por período curtos, para não confundir com guarda alternada”, elenca. “Entendo que, ainda no Brasil será difícil ser aplicada com bastante intensidade, pois, normalmente os pais se separam com algumas mágoas e ressentimentos, e infelizmente acaba sobrando para os filhos”.

“O importante disso tudo é que os pais combinem com muita regularidade o que cada um vai fazer e quando, para não confundir a criança”, ressalta a psicóloga Rosa Maria Macedo, que também é terapeuta de família e casal e coordenadora do núcleo de família e comunidade da PUC-SP.

A opinião sobre a guarda compartilhada é unânime: todos saem ganhando - filhos, pais e mães. Segundo Rosa Maria, é importante que os pais mostrem que, mesmo com o término do relacionamento amoroso, eles estarão sempre ao lado dos filhos, por isso é importante a convivência tanto com o pai quanto com a mãe. “Para isso é preciso muita conversa com a criança e muito acordo entre os pais”, garante.

Esta modalidade de guarda também auxilia as mães, que, geralmente, ficam incumbidas de cuidar e educar os filhos. “Assim a mãe pode trabalhar, por exemplo, e se surgir um imprevisto, ela sabe que pode contar com o pai para ficar com a criança”, observa Rosa Maria. Além de auxiliar os pais, tornando-os mais participativos na vida dos filhos.

Os pais de Olívia vivem os benefícios da guarda compartilhada. “Os pais não ficam sobrecarregados com os cuidados que crianças exigem, nem privados de um contato mais amplo com elas. As crianças têm duas casas, passeiam duas vezes mais e costumam receber mais atenção dos pais individualmente do que se eles estivessem juntos – o tempo tem mais qualidade por não ser infinito”, afirma Stella. “A Olívia adora morar na casa do papai e na casa da mamãe. Sobretudo ela sente o bom entendimento que existe entre nós - que foi conquistado com o tempo. Sua rotina é a mesma nas duas casas: acordar, tomar o café, tomar banho, brincar, almoçar, ir para a escola, voltar, jantar, fazer a lição e sair com o papai ou a mamãe”.

Para Stella, um entrave à guarda compartilhada é a dificuldade de aceitar que o outro tem uma maneira diferente de ver as coisas. “Ele não vai cuidar das crianças exatamente como você cuida e isso não significa que a maneira dele é pior ou melhor: é apenas diferente. Os pais devem entrar num acordo para que os valores morais passados às crianças sejam os mesmos e que as exigências da escola sejam cumpridas da mesma forma: ir além disso é interferir no livre arbítrio do outro”.

Sandra chama atenção para um fato muito importante. “Além da nova legislação precisamos de uma mudança cultural. Ex-conjugue não é inimigo. Quando se têm filhos, o ex-conjugue deve permanecer como parceiro, em nome do bem-estar do filho”.

“Ser pai ou mãe é diferente de ser marido ou esposa: por pior marido que ele tenha sido, ele pode e deve ser um bom pai. Por pior esposa que ela tenha sido, ela pode e deve ser uma boa mãe. Os adultos precisam deixar as mágoas do ex-parceiro ou da ex-parceira de lado, no que se refere ao cuidado dos filhos, pelo bem deles. Privar uma criança um segundo que seja de ver seu pai ou sua mãe é um crime - até os maiores criminosos podem ser bons pais”, finaliza Stella.