sexta-feira, 11 de abril de 2008

É hora do biocombustível


Nova forma de geração de energia provoca discussão

Por Thaís Bronzo

Não é mais novidade para ninguém que a temperatura da Terra está elevando e, com ela, ocorrem diversas transformações no clima do planeta, como o derretimento de geleiras, furacões de intensidade catastróficas, enchentes, secas. Uma das causas dessa mudança é o aumento da concentração de gases do efeito estufa na atmosfera, provocado pela queima de combustíveis fósseis como petróleo, carvão mineral ou gás natural. “No relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), apresentado em fevereiro de 2007, foi colocada a necessidade de se gerar soluções amenizadoras ou de adaptação às mudanças climáticas globais. Em função disto, os programas de biocombustíveis dos Estados Unidos, da Europa e do Brasil passaram a ser considerados cada vez mais estratégicos e, em conseqüência, estão sendo fortalecidos neste momento”, explica o engenheiro químico Marcos Enê Chaves Oliveira, que também é pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Amazônia Oriental, na área de Sistemas Agroenergéticos.

“O mundo está tomando consciência da necessidade de fabricação de biocombustíveis, tanto econômica, como, principalmente, em relação ao meio ambiente”, ressalta o engenheiro agrônomo Frederico Durães, que também é chefe da Embrapa de Agroenergia.

Segundo a lei brasileira nº 11.907 de 13 de janeiro de 2005, biocombustível é “combustível derivado de biomassa renovável para uso em motores a combustão interna ou, conforme regulamento, para outro tipo de geração de energia, que possa substituir parcial ou totalmente combustíveis de origem fóssil”.

O físico José Goldemberg, que também é professor da Universidade de São Paulo (USP), explica que os biocombustíveis podem ser líquidos, sólidos ou gasosos. “Biocombustíveis líquidos incluem basicamente o etanol (álcool) e o biodiesel. Os sólidos incluem os resíduos de madeira, da produção de etanol (bagaço de cana, palhas e pontas da cana), entre outros. Os biocombustíveis também podem ser gasosos, como o biogás de aterro, tratamento de efluentes e resíduos rurais”, enumera.

Brasil do biocombustível
Quando fala-se em biocombustível, a liderança do Brasil em relação à produção de etanol é incontestável. “Deve-se destacar o fato de que o etanol produzido no Brasil a partir da cana-de-açúcar é significativamente mais barato e ecológico que o etanol produzido nos Estados Unidos a partir do milho”, explica o engenheiro químico. “Por outro lado, o programa de etanol brasileiro ainda enfrenta alguns desafios no que diz respeito às condições de trabalho dos colhedores de cana-de-açúcar e a uma elevada concentração da produção nas regiões Sul e Sudeste do país. Neste último caso, verifica-se que em determinados locais das regiões norte e nordeste não são viáveis utilizar o etanol como combustível devido aos custos de transporte dos centros produtores para o local de uso”, completa.

Quanto ao biodiesel, verifica-se que o Brasil diferencia-se dos outros países do mundo por ser extremamente rico em espécies vegetais para produção de óleo e gordura para a sua produção. “Enquanto na Europa o biodiesel é produzido a partir de somente uma fonte de biomassa renovável que é a colza, no Brasil têm-se quase duas centenas de espécies potenciais para produção de óleo ou gordura vegetal”, quantifica o engenheiro químico. “Dentre estas espécies destacam-se a soja, a mamona, o girassol, o dendê e, somente na Amazônia, mais de 140 espécies nativas produtoras de óleo”. Entretanto, atualmente, boa parte da produção de biodiesel no Brasil é oriunda do óleo de soja, pois somente ela tem uma escala de produção adequada para a demanda brasileira atual, que chegará a 800 milhões de litros de biodiesel em 2008.

Apesar da boa fase brasileira, a implantação do biocombustível apresenta prós e contras.

Biocombustível: bonzinho ou vilão?

Apesar da boa fase brasileira, a implantação desse tipo de energia é questionada

Os biocombustíveis surgem para substituir os combustíveis de origem fóssil na geração de energia. No entanto, a sua implantação é questionada por especialistas.

O físico José Goldemberg, que também é professor da Universidade de São Paulo (USP), acredita que as vantagens ambientais dos biocombustíveis incluem a menor emissão de poluentes locais e globais (emissões de gases efeito estufa). “As vantagens econômicas são relativas, dependendo do tipo de biocombustíveis. O etanol de cana-de-açúcar, produzido no Brasil, por exemplo, tem vantagens econômicas em relação à gasolina, por apresentar menos preço final ao consumidor. No caso dos outros tipos de etanol não há vantagens econômicas e os países em questão despendem elevados subsídios para garantir a sua competitividade econômica. O biodiesel, em termos econômicos, depende do tipo de óleo utilizado”, analisa o físico.

O coordenador da campanha de energias renováveis do Greenpeace Brasil Ricardo Baitelo destaca outros pontos discordantes a implantação dos biocombustíveis. “O desmatamento indireto provocado pelo avanço das plantações de cana no Sudeste e Centro-Oeste, empurrando a pecuária e o cultivo de soja em direção à Amazônia; as más condições de trabalho dos bóias-frias, levando à exaustão e a uma série de prejuízos de saúde; a ameaça à segurança alimentar com a redução das áreas destinadas ao plantio de alimentos básicos e seu conseqüente aumento de preço no mercado; desapropriação de pequenos agricultores para o cultivo intensivo de soja e cana e pressão sobre centros urbanos que recebem o excedente de agricultores e bóias-frias”.

O economista Paulo Morceli, que também é superintendente de Gestão da Oferta da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), garante que existem mais prós do que contras quando o assunto é biocombustível. “Qualquer que seja o biocombustível analisado (etanol ou biodiesel) traz grandes vantagens ambientais. Por exemplo, com o método de colheita atual (queima), cada tonelada de cana-de-açúcar produzida tem um seqüestro positivo de 170 quilos de gás carbônico, ou seja, a fotossíntese realizada por cada tonelada de cana, após sua produção (com a aplicação de fertilizantes, a queima da palha para a colheita, o uso de máquinas para todo o processo de produção e de industrialização, o uso do álcool nos carros), retira adicionalmente mais 170 quilos de gás carbônico”, exemplifica.

Segundo o economista, o uso de biocombustíveis aumenta a demanda por produtos da agricultura, setor em que o Brasil tem grandes vantagens em relação a boa parte dos países mundiais. “De modo que o produtor brasileiro e, em decorrência, toda sociedade brasileira, pode aumentar seus ganhos, melhorando a qualidade de vida da população”, ressalta. “Não podemos nos esquecer que se um grande usineiro passa a ter mais lucro, ele precisa contratar mão-de-obra para o seu empreendimento e com isso dará emprego e renda à população brasileira”. Ele garante que todos, tanto o usineiro quanto os empregados, vão fazer compras no país, aumentando a demanda por outros bens da economia. “Ou seja, isso gera o que se chama de circo virtuoso na economia com ganhos em geral, inclusive para o governo, que aumenta sua arrecadação e pode aplicar mais nos programas sociais de educação, saúde, de assistência”.

O economista também ressalta a utilização de terras já desmatadas. “O Brasil tem cerca de 90 milhões de hectares de terras que já foram desmatadas, que estão sendo utilizadas com pastagens degradadas. Além disso, nossa lotação média em termos de cabeças de gado por hectare é de menos de um animal, o que é muito baixo. Se melhorar esta lotação em 20%, que é insignificante, teremos a liberação de mais 40 milhões de hectares, sendo que hoje os biocombustíveis não usam mais do que 10 milhões de hectares de área (considerando todos os biocombustíveis), ou seja, podemos quadruplicar nossa produção sem afetar qualquer outro aspecto - não vai faltar alimentos e não vamos desmatar - vamos apenas melhorar a lotação de animais nos pastos”, detalha.

Apesar dos prós, o economista não descarta os contras. “Temos que ter um zoneamento: não podemos permitir, por exemplo, a instalação de usinas de etanol na região do Pantanal e em boa parte da Amazônia. A questão do desmatamento precisa ser muito bem tratada, pois o Brasil tem muita área que pode ser utilizada antes de desmatar a Amazônia. Portanto, a questão do uso da terra para isso é muito importante”, explica. “No caso do biodiesel na Amazônia, temos que analisar com atenção outras alternativas, como é o caso do dendê ou babaçu, que podem ser utilizados sem fazer grandes estragos na floresta”. “De tudo, o grande cuidado que se tem é não agredir o meio ambiente, principalmente no que diz respeito às florestas tropicais”, finaliza.