sexta-feira, 11 de abril de 2008

É hora de brincar



Brincadeira é coisa séria tanto para crianças como adultos

Por Thaís Bronzo

Você, leitor, já brincou hoje? Não?! Acha que não tem mais idade para isso? Então fique sabendo que o ato de brincar é altamente recomendado para a manutenção da saúde mental de crianças e adultos. Segundo a psicóloga e orientadora psicopedagógica Marilene Lima, a palavra brincar é “plaisanter” em francês, que tem o mesmo radical de prazer (“plaisir”) e de agradável (“plaisant”). “Ou seja, percebemos que divertimento e graciosidade são predicados da brincadeira. Lúdico, que quer dizer a qualificação de tudo o que se relaciona com o jogo ou brincadeira, é ‘ludique’, que vem de ‘ludere’, ilusão, e é utilizado para caracterizar uma mentalidade, um comportamento ou ação”, explica. “Esses usos da palavra lúdico parecem apresentar um ambiente ou evento no qual a realidade tem um ‘que’ de brincadeira ou de jogo, ou seja, de prazer, de divertimento, de alegria”.

O ser humano manifesta sua humanização desde os tempos das cavernas por meio do brincar, nas pinturas rupestres, nas danças e em outros eventos. “Na civilização atual, percebe-se a presença marcante da brincadeira na vida do homem: as piadas; o futebol, que é a ‘paixão nacional’; os esportes em geral; a dança; o ato litúrgico e suas simbolizações; o carnaval; o computador; a televisão; o teatro; e até a política - brincadeira de quem pode mais, quem pode competir melhor”, enumera Marilene. “Todas estas são manifestações de que o homem gosta e precisa do ato lúdico que o transcende, ou seja, vai além de si e o faz vivenciar novas formas de visão de si, do próximo e do mundo”.

Portanto, brincar é essencial para a saúde física, emocional e intelectual. “Brincar é coisa séria porque na brincadeira a criança ‘re’significa seu mundo, se reequilibra, recicla suas emoções e sacia sua necessidade de conhecer e reinventar a realidade”, ressalta. “É brincando que a criança vai interiorizando o mundo que a cerca, na troca com o outro, vai se constituindo sujeito. Pode não ganhar nada com aquilo, não pagar nada também, mas recebe muito, faz a ‘mágica que só o homem sabe fazer’: simbolizar, significar e ser significado”.

Brincar também é aprender. “Toda e qualquer brincadeira ajuda a desenvolver atenção, concentração e muitas outras habilidades. O ato de brincar desenvolve, inclusive, o prazer em viver e, para isso, a criança precisa da presença preciosa de seus pais e de adultos mais experientes que possam conduzir, por exemplo, jogos de tabuleiro com regras. Adultos estes que farão uma interpretação, uma reflexão e um planejamento da ação lúdica da criança, no sentido de ‘ensinar-lhes’ a brincar de forma saudável e oportunizando-os jogos de qualidade”, garante Marilene.

“Através da brincadeira, novos modos de ser, se relacionar e viver são experimentados, com a vantagem de que, sendo de brincadeira, tais modos podem ser corrigidos, adaptados, repetidos, repelidos, configurando-se num importante recurso de aprendizagem da e para a vida”, acrescenta a pedagoga Tânia Ramos Fortuna, que também é professora de psicologia da educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde dirige o programa de extensão universitária “Quem quer brincar?”.

A professora de ensino fundamental I Paula Colella da Silva, de 28 anos, mãe de Maisa, de dois, tem a brincadeira em casa e no trabalho. “Em casa, a brincadeira com a minha filha segue pelo lado lúdico, da diversão mesmo. Já na escola, a gente ensina brincando, a brincadeira tem um enfoque pedagógico”, diferencia.

Mas, então, brincadeira é coisa séria? “Chegamos num ponto bastante discutido na área da educação de crianças, escolar e doméstica: quem tem de saber que brincadeira é coisa séria é o adulto, não a criança. É o adulto que vai ensinar brincando, sabendo muito bem de seus objetivos, a criança só precisa brincar”, lembra Marilene.

Como brincar?

Brincadeira deixa crianças e adultos mais felizes

Todo lugar é lugar de brincar e toda hora é hora de brincar, em qualquer idade. Essa é a afirmação da pedagoga Tânia Ramos Fortuna, que também é professora de psicologia da educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde dirige o programa de extensão universitária “Quem quer brincar?”. “Para tanto é preciso garantir o direito à brincadeira, o que implica oferecer meios e momentos propícios, o que requer, por seu turno, educadores preparados para brincar e fazer brincar”, afirma.

A família e a escola podem e devem participar das brincadeiras das crianças de maneira apropriada a cada fase do desenvolvimento. A psicóloga e orientadora psicopedagógica Marilene Lima, explica que o psicólogo Jean Piaget (1896-1980) estudou as várias etapas do desenvolvimento humano até a adolescência e alertou sobre as “fases do juízo da moral” que são construídas desde a mais tenra infância e tem uma relação direta com as fases do brinquedo:

-Ao período que vai desde o nascimento aos dois anos, ele chamou de período ‘sensório-motor’, pois a criança conhece o mundo por meio da manipulação e do movimento, assim, os brinquedos destinados a essa fase devem facilitar essa evolução. Os melhores brinquedos são os de textura macia (borracha, tecido, pelúcia), os musicais (caixinha de música e chocalhos), os que desenvolvem a acuidade visual (móbiles – enfeites que ficam pendurados no berço – e brinquedos coloridos) que convidam a aperfeiçoar seu tato e sua visão, deixar a criança circular livremente no chão também é importante, propiciar contato com brinquedos de banho, de empilhar, de encaixar, bolas coloridas, velocípedes, cavalinhos, carrinhos, entre outros, devem ser os privilegiados nesse momento;

-Ao período que vai desde os dois aos sete anos, Piaget chamou de ‘período pré-operatório’ ou ‘das operações concretas’, no qual ocorre a aquisição da linguagem. Nessa fase, os brinquedos a serem disponibilizados devem facilitar a criatividade e o simbolismo da criança. A musicalidade é muito importante nessa fase, assim, apresentar-lhes instrumentos musicais é bastante indicado, principalmente os de percussão. Os brinquedos ao ar livre continuam tendo sua validade e os de empilhar, modelar, esculpir (massa, areia, argila) são muito salutares; bolas grandes (de 20 a 60cm de diâmetro) e os brinquedos de empurrar e puxar são os favoritos (os de empurrar são os preferidos, pois a criança ‘sabe onde está indo’); carrinhos, bonecas, animais em miniatura, utensílios adultos em miniatura (de casa, móveis, de marcenaria, de médico, entre outros) dão aos pequenos a possibilidade de se expressarem livremente e dramatizar as cenas reais do dia-a-dia; brincadeiras de roda, trava-línguas e parlendas também são muito interessantes; material de desenho, pintura, colagem, recorte, fantoches, blocos de madeira e jogos de construção são também interessantes por seu potencial de aprendizado social e afetivo, bem como de projeção (inclusive de seus medos); inicia-se a fase de querer construir suas próprias coisas e a participar de seu tempo e espaço com mais autonomia.

Já Tânia ressalta a importância de brincar junto para o desenvolvimento dos filhos ou alunos. “Mas, atenção: não é preciso brincar o tempo todo ou agir como se fosse uma criança. O que realmente importa é o compartilhamento do patrimônio lúdico através dessas trocas entre as gerações, pois ele é parte do patrimônio cultural da humanidade”, ressalta. “Ser parceiro de jogos e brincadeiras, ensinando-as e aprendendo com os filhos, sem desqualificar o ato de brincar, em lugar de reforçar a tão temida imaturidade infantil, na verdade estimula a criança a crescer, vendo que ser adulto é algo atraente e prazeroso”.

A professora de ensino fundamental I Paula Colella da Silva, de 28 anos, mãe de Maisa, de dois, acredita que a brincadeira, nos dias de hoje, também representa um vínculo entre a família e a criança. “Como professora, eu vejo famílias que perderam o vínculo com os filhos, pela vida agitada que têm: acorda cedo para trabalhar e só volta para a casa à noite. Então, a brincadeira pode trazer esse vínculo, ser um momento de estar junto”, avalia. “Têm brincadeiras que minha filha brinca sozinha, mas em outras, como, por exemplo, uma boneca que tem, ela gosta de brincar comigo, criou um vínculo afetivo e eu brinco muito com ela”.

“Não existe certo ou errado quando se trata de brincar, pois a imaginação da criança não tem limites, mas é necessário bom senso e tato”, garante Marilene. “Com observação e paciência, o adulto pode descobrir as fases e necessidades lúdicas de suas crianças: descobrir seus gostos e prazeres e atuar como parceiro nessa encantadora caminhada rumo ao desenvolvimento sadio e equilibrado, tão em ‘falta’ na sociedade atual”.

“Como crê o psicanalista inglês Winnicott, é somente no brincar que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral, e somente sendo criativo pode descobrir seu eu”, conclui Tânia.