quinta-feira, 10 de abril de 2008

O que diz a sua voz?


De instrumento de comunicação a características de personalidade e emoção

Por Thaís Bronzo


Você já reparou o quanto utilizamos a nossa voz? Os motivos para não ficarmos quietos são inúmeros e as ocasiões para falar também.

“Uso a voz para transmitir meus pensamentos a todo instante. Dialogar no trabalho, fazer meu filho rir, cantar com os amigos, no chuveiro, enquanto dirijo. Agendo tarefas e encontros via telefone utilizando minha voz e brinco com as pessoas ao fazer imitações”, diz a radialista Carla Manso, 21 anos.

“Utilizo minha voz para expressar opiniões, vontades ou mesmo conversar com as pessoas que estão ao meu redor. Nunca imaginei ficar sem voz. Mas caso ocorresse seria extremamente complicado. Não que não haja outra forma de comunicação além da voz, mas estou acostumado a usá-la sempre”, afirma o estudante Raphael Divetta, 21 anos.

A voz, conforme a origem grega da palavra, phoné, quer dizer “som”. Ao mesmo tempo, existe a origem latina, vox, que significa “apelo”, “chamado”. “Considerando as duas origens que se complementam, podemos dizer que a voz é o som do apelo, do chamado que se dirige aos outros no uso da linguagem falada ou cantada”, explica a fonoaudióloga Maria Laura Wey Märtz, professora da Faculdade de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), nas disciplinas de voz, linguagem oral e trabalho clínico terapêutico.

Para que possamos chamar um amigo ou pedir uma informação são necessárias várias ações. De acordo com a fonoaudióloga, a primeira delas é o desejo de comunicação do ser humano. “Ou seja, a voz só se desenvolve porque estamos, desde o nascimento, inseridos em uma comunidade que se utiliza da linguagem verbal para a interação com os outros seres humanos”, explica. “Através do contato com outros é que aprendemos nossa língua materna e é nesse contexto que nossa voz vai adquirindo as características que lhe são próprias: qualidade, sonoridade, tons, pronúncia, modulações”.

Além do aspecto de comunicação, a fonoaudióloga também ressalta as estruturas e funções orgânicas que possibilitam a emissão da voz. “O ar que sai dos pulmões passa pela traquéia e chega até a laringe na qual se situam as pregas vocais. Nesta altura, por ação dos músculos da laringe e também pela pressão do ar, as pregas vocais vibram e produzem o som, que será modificado pelas diversas articulações da boca, lábios e língua, bem como pela passagem deste som para a cavidade do nariz”, acentua.

Pode parecer complicado, mas utilizamos a voz desde que nascemos, ao dar o primeiro choro. “Um bebê, por exemplo, tem a voz bastante aguda e isto se deve ao fato de sua laringe se situar bem alta no pescoço e seus músculos, cartilagens e ligamentos ainda estarem em desenvolvimento. Com a descida da laringe, por volta de quatro a cinco anos, bem como pelo desenvolvimento das estruturas, a voz se firma e se agrava um pouco”, conta.

Uma grande mudança ocorre na puberdade de forma mais perceptível nos meninos do que nas meninas. “O rápido crescimento e as variadas mudanças corporais vão fazer com que a voz se torne mais grave. É uma fase de transformação que pode levar meses ou alguns poucos anos”, continua. “Na fase adulta a voz se firma e temos freqüências normalmente mais graves do que na criança. Durante o envelhecimento pode ocorrer de a voz mudar, tornando-se mais grave nas mulheres e mais agudas nos homens. Pode haver menor controle respiratório e um enfraquecimento do volume, perda da precisão articulatória e da possibilidade de se fazer compreender, mas tudo vai depender das condições mais gerais de saúde do idoso”.

Além do envelhecimento, outros fatores também refletem em nossa voz. “Ela pode indicar estados emocionais, como tristeza, alegria, desânimo, agitação. Pode também apontar aspectos da personalidade, tais como amabilidade, autoritarismo, vigor. Sexo, idade, tipo de formação sócio-cultural também podem ser apreendidos”, enumera. No entanto, a fonoaudióloga alerta para a flexibilidade e mudanças da voz. “Como nós mesmos mudamos nossos estados emocionais, afetivos, físicos, não apenas de um dia para outro, como de um ambiente social para outro: não falamos do mesmo jeito com um diretor de uma instituição, com um familiar, com um amigo, com um namorado; as situações de interlocução afetam nossa voz e modo de falar, de escolher as palavras e de entoná-las”.

Mesmo com as mudanças, a voz é a nossa “marca registrada”. Nossas vozes são diferentes porque somos seres singulares, com uma formação física específica e com uma história também particular. “Cada ser humano tem um percurso de vida e isso inclui o lugar em que nasceu, a língua que aprendeu a falar e como aprendeu, as pessoas com as quais conversa ou não, as atividades educacionais e culturais que exerce, enfim, suas experiências intelectuais, afetivas, sociais, psíquicas, além de suas características físicas: estes aspectos é que irão definir a singularidade de cada voz”, conclui a fonoaudióloga.

Como vimos, a voz pode dizer muitas coisas, por isso é preciso cuidar muito bem dela

Voz: cada um tem a sua (mas você pode mudar)

Terapia de problemas da voz modifica alguns aspectos prejudiciais da produção vocal

A voz tem qualidades próprias, como ser clara, rouca, áspera, aveludada. Pode ser mais forte ou fraca, mais aguda ou grave, mais melodiosa ou monótona. Pode soar mais nasalizada, como num resfriado, embora a pessoa não esteja resfriada. Cada um tem uma voz própria, mas há quem não goste muito do que ouve de si.

A fonoaudióloga Maria Laura Wey Märtz, professora da Faculdade de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), nas disciplinas de voz, linguagem oral e trabalho clínico terapêutico, explica que é preciso saber quais mudanças são desejadas pelas pessoas e os motivos. “Por exemplo, pode-se trabalhar para eliminar a rouquidão da voz de uma pessoa, desde que ela queira ou compreenda a necessidade. Do contrário, a pessoa se sentirá perdendo algo que a caracterizava, uma parte de sua identidade, sua voz ‘rouquinha’ como todos sempre a conheceram”, exemplifica.

Ainda de acordo com a fonoaudióloga, na terapia de problemas da voz é possível modificar alguns aspectos prejudiciais da produção vocal. “Algumas vezes observamos transformações maiores na voz, como no caso dos rapazes que falam com voz infantil e passam a falar com um tom mais grave. Em outras situações as mudanças são sutis, a voz se torna um pouco mais melodiosa, a pessoa passa a falar com mais vitalidade, mais tranqüilidade, retirando-se os esforços às vezes físicos, às vezes emocionais durante a fala com outros”.

Mas, além da preferência, algumas mudanças na voz podem caracterizar problemas. “Os sinais são traduzidos pelas pessoas como queixas: dor ou ardor na garganta ao falar, sensação de corpo estranho na garganta, esforço e cansaço ao falar. Podem ser também sinais auditivos, como voz rouca, áspera, muito fraca, trêmula, muito soprosa, muito tensa”, enumera. “Essas características podem se referir a disfonias, que são problemas de voz, ou pode acontecer a afonia, que é a ausência de voz”.

Segundo a fonoaudióloga, os problemas de voz podem ter causas orgânicas como tumores, traumas na laringe, gripes que causam inchaço nas pregas vocais, e problemas neurológicos que causam tremor na emissão vocal. “Outros problemas podem ser causados por mau uso ou abuso vocal persistentes, como gritar ou falar muito, fazer esforço ao falar, não respirar de forma coordenada, ter hábitos prejudiciais à mucosa das pregas vocais”, diz. Esses são problemas chamados funcionais, que demandam terapia para que não desenvolvam alterações, como os nódulos de pregas vocais, os popularmente chamados “calos de corda vocal”. Há também os casos de alteração de voz por problemas emocionais e psíquicos, em que não se constata alteração orgânica, mas a pessoa perde a voz.

Independente da voz, caso perceba alguma alteração, é importante consultar um médico ou fonoaudiólogo, para avaliar a necessidade e o tipo de terapia mais adequado. “O tratamento é necessário sempre que houver alterações orgânicas ou do funcionamento que tragam sofrimento ao paciente”, ressalta. “É importante também que a pessoa procure um especialista quando perceber mudanças persistentes na qualidade vocal, como, por exemplo, rouquidão por mais de duas semanas”.

Atenção: cantores de chuveiro


O que faz bem e o que causa um mal danado para a sua voz


Para quem está acostumado a usar a voz como o principal meio de comunicação, ficar sem ela, mesmo que momentaneamente, pode parecer até castigo. Por isso, para evitar essa situação incômoda, a fonoaudióloga Maria Laura Wey Märtz, professora da Faculdade de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, nas disciplinas de voz, linguagem oral e trabalho clínico terapêutico, explica que existem muitas pesquisas a respeito do que faz bem e mal para a voz. “Inicialmente seria importante que cada pessoa pudesse observar em si, seus hábitos, sua alimentação, a forma como se hidrata e a forma como utiliza a voz, para que chegasse às suas próprias conclusões”.

Mas, de um modo geral, a fonoaudióloga dá orientações para uma boa produção vocal, principalmente para quem utiliza a voz de forma profissional:
-Hidratar-se;
-Coordenar bem a respiração ao falar, evitando utilizar o ar até o fim;
-Falar de forma confortável, evitando gritar, fazer esforços exagerados ou mudanças bruscas entre agudos e graves;
-Cuidar da ingestão de líquidos que podem ser frios ou quentes, mas não extremamente gelados ou fervendo;
-Cuidar do sono e da alimentação. Alimentos muito ácidos, picantes ou salgados podem ressecar a mucosa, assim como ingestão excessiva de álcool e uso de cigarros;
-No ambiente de trabalho é importante verificar as condições físicas, sociais e emocionais que podem prejudicar a boa produção da voz: poeira, ar condicionado muito forte, relacionamento difícil com colegas e superiores, estresse são fatores que precisam ser observados e, se necessário, atitudes devem ser tomadas para modificar qualquer destas situações;
-O profissional deve ter pausas em seu trabalho, pois falar por horas a fio é um grande esforço vocal;
-No caso de artistas, cantores, atores, normalmente é necessário um trabalho mais específico de técnica vocal, que irá abordar as necessidades profissionais como, por exemplo, modulação, projeção, ressonâncias e afinação, impulso e sustentação respiratória;
-Alimentos que engrossam a saliva, como chocolate e derivados de leite, podem prejudicar a produção vocal e por esse motivo devem ser evitados em momentos próximos ao uso mais intensivo da voz. Nestas situações, o ideal é consumir alimentos mais adstringentes, frutas como maçãs e pêras; e
-Ainda quanto à alimentação e digestão, pessoas que apresentam muita acidez e refluxo estomacal devem procurar o médico, pois o refluxo causa forte irritação e ressecamento das pregas vocais.

Além dos hábitos saudáveis, a fonoaudióloga cita exercícios que ajudam no bem-estar da voz, indicados quando há problemas ou quando se trata de aquecer a voz para uso profissional. Neste último caso, trabalhando a respiração intercostal, para sustentar a coluna de ar sem tensionar a musculatura laríngea:
-Trabalhar a produção de sons variados, com a boca fechada e aberta, buscando uma emissão livre, em pequenos vocalizes (escalas de tons musicais), vibramos o som na boca, com MMMM, NNNN, TRRRRR (vibração de língua), BRRRRR (vibração de lábios);
-Cantar em um tom a seqüência natural das vogais, observando movimentos mais precisos de lábios e língua: u, ô, ó, a, é, ê, i;
-Articular seqüências de sons ou trava-línguas para soltar a articulação, combinando consoantes com vogais (tra, vra, pra, cla, etc); e
-Entoar uma canção simples, dizer um poema.

“Enfim, são inúmeros os exercícios possíveis, mas o mais importante em qualquer deles é que se pratique com ciência do que se faz e com atenção concentrada, para que se possa experienciar seus efeitos. Nenhum exercício deve ser feito só por fazer, de maneira automática, pois além de não contribuírem, podem prejudicar”, explica.

E a fonoaudióloga finaliza: “Boas conversas e belas canções são ótimas para a voz”.